A diferença é que hoje os espiões ganham seu dinheiro investigando crimes comuns ou bisbilhotando a briga entre empresas concorrentes.
No final do ano passado, um grupo de agentes secretos de primeira linha do governo americano se reuniu num hotel de Washington para discutir o futuro da categoria.
Preocupados com uma ameaça de cortes de verba pela Central Intelligence Agency (CIA), eles chegaram à conclusão de que pelo menos 20% dos profissionais da área correm risco de demissão.
A saída para eles é se transferirem para a iniciativa privada.
O que não é um mau negócio.
As agências de detetives dos Estados Unidos recebem, em média, cerca de 900 pedidos de informações comerciais por mês.
E o mercado está em franco crescimento.
Longe dos governos, o espião não é mais aquele.
Seu inimigo prioritário não é o comunismo, é a empresa concorrente.
Mesmo assim, ele ainda ainda tem um quê de 007.
É superequipado e enfrenta uma contra-capa agem eficiente.
E a sua rotina de trabalho continua bem arriscada.
A bisbilhotar oficial também não acabou.
Nem vai acabar.
Apesar das ameaças, os Estados Unidos continuam gastando com espionagem cerca de 16 bilhões de dólares por ano, segundo um estudo de Steven Aftergood, da Federação de Cientistas Americanos, uma organização independente.
Mas, com o encerramento da guerra fria, o fim da União Soviética e o desmoronamento dos regimes comunistas do Leste Europeu, a aplicação do dinheiro tomou outros rumos.
Hoje, apenas 40% dele é destinado a xeretar a atividade dos russos, que já chegou a atrair quase 70% do total.
O atual diretor da CIA, John Deutch, justifica a gastança.
Ele disse que a agência ainda tem muito trabalho, só que está mais próxima da polícia, investindo no combate ao:
1) Tráfico de drogas,
2) Criminosos
3) Terrorismo internacional
Principalmente em Israel, além de vigiar a produção de armas nucleares.
Do outro lado do mundo, o Serviço Russo de Informações Exteriores, antiga KGB, desmantelou recentemente trinta postos de escuta que monitorava atividades americanas ligadas a armamentos e estratégias.
Segundo os americanos, no entanto, os russos continuam de olho no Vale do Sílicio, na Califórnia, berço de muita tecnologia de ponta, especialmente na área de informática.
Todos espionam.
No dia 24 de fevereiro passado, a aviação militar cubana derrubou dois aviões do grupo Irmãos para o Resgate (IR), que ajuda exilados cubanos em Miami.
A queda dos aparelhos, que teriam invadido o espaço aéreo de Cuba, trouxe à tona mais um caso de espionagem internacional, envolvendo o suposto agente duplo Juan Pablo Roque.
Ex-piloto militar cubano, Roque vivia nos Estados Unidos desde 1992 e trabalhava para o IR.
No dia seguinte à queda dos aviões, ele deu entrevista à rede de TV americana CNN.
Só que estava em Cuba, e dizendo que havia prevenido o FBI sobre o ataque.
O FBI desmentiu, mas admitiu ter-lhe pago 6 700 dólares por informações sobre o IR.
Depois disso, Roque desapareceu.
Vá entender para quem ele trabalhava .
Embora ainda não tenha tido um desfecho, o caso mostra que o mundo continua cheio de gente que espiona por motivos políticos.
Mas o que mais cresce é o mercado das outras modalidades de espionagem.
“Nossa sociedade está cada vez mais centrada na informação.
Todos espionam todos”, diz Harold Keith Melton, historiador militar americano especializado em espionagem.
Escolas de detetives formam bisbilhoteiros de quinta categoria no mundo inteiro.
Em geral, eles oferecem seus préstimos a gente desconfiada da fidelidade da cara-metade.
Para os grandes especialistas do ramo que atuam nos governos, a coisa não é tão simples.
“Mais e mais informações são divulgadas hoje e cada vez menos temos o que procurar debaixo da mesa”, disse o ex-diretor da CIA William Colby, pouco antes de sua morte, em maio deste ano.
“Nossos desafios são intelectuais: precisamos saber como:
1) Usar as informações obtidas
2) Relacionar uma coisa com a outra.”
A onda agora é bisbilhotar celulares
Eles ficaram com as maiores emoções (e a melhor tecnologia) da profissão.
Os chamados espiões industriais vivem nas spy shops dos Estados Unidos.
Nessas lojas eles encontram desde microfones disfarçados em canetas até detectores de bombas, passando por manuais antiguerrilha e carros blindados.
No Brasil, coisas assim são menos comuns.
Mas não é difícil achar, nas casas especializadas em produtos elétricos e eletrônicos, o famoso grampo, aparelho usado para interceptar ligações telefônicas.
Basta chegar e pedir um gravador de entrevistas por telefone.
Custa algo em torno de 100 reais.
Algumas empresas também providenciam produtos americanos para seus clientes.
É o caso da M. Telecom Security, com sede em São Bernardo do Campo, São Paulo.
“Importo tudo legalmente”, afirma Luiz Brenneken, o proprietário.
Segundo ele, a coqueluche do momento é uma maleta 007 equipada para bisbilhotar e gravar conversas em telefones celulares.
Basta digitar a linha mais a identificação gravada no aparelho que se quer interceptar e a mala capta a freqüêwncia da conversa.
O brinquedo pode custar 20 000 dólares, segundo Brenneken.
“Mas esse tipo de coisa eu não compro, nem que me peçam”, afirma.
Ele se diz preocupado com a difusão de engenhos do gênero no Brasil.
“Veja este aqui”,
Diz, mostrando um aparelhinho parecido com um telefone portátil.
“É um scanner de freqüências. Também serve para ouvir conversas em celulares, mas não indica o número ouvido.
Só funciona para espionagem se for usado perto do telefone visado.”
Brenneken diz já ter ouvido falar do uso do scanner por ladrões de banco.
“Eles ficam ligados na freqüência da polícia e sabem quando as viaturas estão a caminho.”
Contra-espionar também é bom negócio
A Associação Brasileira de Empresas de Vigilância e Segurança estima que as 500 maiores companhias instaladas no Brasil perdem até 17 bilhões de reais por ano em conseqüência de espionagem.
Por isso, elas gastam cada vez mais em contra-espionagem.
Até o começo desta década, o investimento em assessoria e equipamentos para tapar o buraco da fechadura não chegava a 20 milhões de reais ao ano.
Hoje está perto dos 50 milhões.
Nos Estados Unidos gasta-se quarenta vezes mais.
Segundo conta Lucas Blanco, diretor de Desenvolvimento e Operações da Ensec, a maior empresa privada de sistemas de segurança do país, que tem entre seus clientes ninguém menos que a Casa da Moeda, isso ocorre porque lá quem tem um sistema de segurança eficiente pode ganhar, entre outras coisas, descontos no seguro.
Apesar de todo o cuidado, no entanto, os americanos se sentem ameaçados.
“Empr
esas e governos estrangeiros economizam fortunas roubando projetos em fase final de desenvolvimento nos EUA”,
Diz o escritor Keith Melton.
“A China envia estudantes para nossas universidades e algumas vezes eles voltam com produtos e idéias.
Para a França, os próprios agentes de inteligência oficiais fazem o serviço.”
Como as empresas de lá, as daqui também têm que se proteger.
Até porquê a lei não é tão rigorosa nem a Justiça tão ágil como nos EUA.
No Brasil, a espionagem industrial pode ser punida com prisão de três meses a até quatro anos por crimes de furto, violação de correspondência ou violação de direito autoral.
Mas até hoje não se tem notícia de qualquer condenação.
Quem for apanhado fuçando o computador alheio tem ainda mais chances de sair ileso.
Não há lei sobre esse tipo de contravenção.
Um prato cheio para livros e filmes
A maioria pode até não fazer, por escrúpulos morais ou medo de ser descoberta, mas espionar é sem dúvida uma atividade que fascina.
Não é à toa que o tema inspirou tantos personagens de livros, filmes e até jogos de computador.
O mais famoso é ele, Bond, James Bond, o 007, invenção do escritor inglês Ian Fleming (1908-1964), que também foi agente do Serviço Secreto da Marinha Britânica.
Todos pensavam que o espião era autobiográfico Até 1985, quando um amigo de Fleming, Ivar Bryce, ex-agente do MI-5, a versão inglesa do FBI americano, que investiga dentro do país, garantiu ser o agente-galã.
Como prova, mostrou dedicatórias de Fleming.
“Para Ivar, que, como sempre, forneceu o roteiro”,
Dizia uma delas.
Bryce era bonitão e namorador, como Bond, mas garante nunca ter matado uma mosca.
O 007 trabalhava para o governo britânico e seus inimigos eram os comunistas ou grandes conspiradores do Mal.
Mas quando ele surgiu, em 1953, outro agente, mais ao estilo dos detetives particulares, já era veterano.
Dick Tracy, criado pelo americano Chester Gould (1900-1985), estreou nos quadrinhos em 1931.
Ele começou a carreira como detetive, mas logo arrumou emprego no FBI.
Consta que seu rosto quadrado com nariz de falcão é inspirado em Sherlock Holmes, nascido no século passado, pela pena do inglês Conan Doyle (1859-1930).
Holmes era um ás da dedução e quase todos os detetives e espiões que se seguiram são como que seus filhos.
Entre eles está Sam Spade, do americano Dashiell Hammett (1894-1961).
Spade é um malandro que desrespeita a lei, mas sempre com objetivos nobres.
E ainda há muitos outros descendentes de Holmes.
Alguns estão aí ao lado.