Medidas penais e civis podem ser adotadas por aqueles que se incomodam com a “maré” que invade o apartamento.
Noite de verão, janelas dos apartamentos do condomínio abertas e começa a entrar aquele cheiro pela janela.
A “maré” vem de um desconhecido e incomoda quem não está curtindo a mesma vibe.
Um vizinho quebra o silêncio na vizinhança pacata:
“Tem maconheiro no prédio!”
Grita da janela.
Outro dia, uma vizinha incomodada também se irrita:
“Fecha a janela, maconheiro!”.
Mas, além dos gritos, que outras medidas podem ser tomadas?
O uso de maconha não é lícito no Brasil, mas isso não impede que a prática de fumar um baseado seja banal.
Enquanto tramitam na Justiça ações sobre a descriminalização do uso da cannabis, aqueles que se sentem incomodados podem recorrer a medidas no âmbito do direito.
Uma ação sobre descriminalização do uso da maconha aguarda decisão no Supremo Tribunal Federal (STF).
Em discussão, está a constitucionalidade do artigo 28 da Lei 11.343/2006 que especifica as penas para quem portar, guardar ou consumir drogas.
Independentemente do debate sobre a descriminalização, como ocorre com o cigarro, quem não consome muitas vezes se incomoda com seus efeitos e questiona sobre soluções.
Alexandre Marques, advogado especialista em direito condominial e vice-presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB de São Paulo, observa que este tipo de problema é comum em condomínios de todas as classes sociais.
Ele explica que, em geral, o problema é entre vizinhos e as principais medidas devem ser tomadas na Justiça.
Mas a administração do condomínio também pode agir se o problema atingir a coletividade.
Como o síndico pode agir?
Circular coletiva:
Esse deve ser o primeiro passo.
O síndico pode soltar um comunicado não só para o suposto usuário, mas para todos os moradores alertando que é proibido o uso de fumígenos em geral, cigarrilhas de palha e assemelhados, o usuário de maconha deve entender esse recado.
Também deve avisar que é autorizado fumar na sacada desde que isso não atrapalhe outros moradores.
Carta individual:
Caso a circular não tenha efeito, é possível enviar uma carta individual com o mesmo conteúdo.
Multa:
Se o problema afetar a coletividade, e não apenas um vizinho, é possível dar uma advertência e, em caso de reincidência, aplicar uma multa.
O advogado Adib Abdouni, especialista em direito constitucional e direito penal, explica que o vizinho usuário de maconha pode ser questionado por usar o local para outra finalidade que não seja a moradia, no caso, o consumo de drogas.
O artigo 1.335 do Código Civil cita entre os deveres dos condôminos:
“dar às suas partes a mesma destinação que tem a edificação, e não as utilizar de maneira prejudicial ao sossego, salubridade e segurança dos possuidores, ou aos bons costumes”
E a Lei Antifumo (nº 12.546/2011) proíbe;
“uso de cigarros, cigarrilhas, charutos, cachimbos ou qualquer outro produto fumígeno, derivado ou não do tabaco, em recinto coletivo fechado, privado ou público”.
Isso facilita a proibição em áreas comuns, como corredores e garagem.
E se for dentro do apartamento?
Para Abdouni, a restrição da Lei Antifumo se aplica a um vizinho que fuma na sacada e a fumaça se espalha para as casas dos outros.
Mas se o vizinho argumentar que está fumando em seu apartamento e ninguém tem nada com isso?
De fato, a Constituição Federal prevê que;
“a casa é asilo inviolável do indivíduo”.
Mas isso não significa que o morador possa fazer o que bem entender.
“O vizinho tem direito à moradia, mas não tem o direito de violar o direito dos outros. A partir do momento que mora em condomínio, tem que respeitar pessoas que vivem em comunidade”,
Observa o especialista em direito constitucional e em penal.
Assim como o morador não pode jogar futebol na sala ou aumentar o volume do som à última potência, também não pode fumar maconha e exalar um cheiro que vai perturbar os outros vizinhos.
É possível fixar multas e, em casos extremos, o morador pode até ser convidado a se retirar do condomínio.
Ele não perde o direito à propriedade, mas pode perder o direito de morar no local se não respeitar a sua finalidade, explica Abdouni.
Adianta chamar a polícia?
O professor de direito penal do Unicuritiba José Carlos Portella Junior explica que o porte de drogas é um crime de baixo potencial ofensivo.
“Não comporta prisão. A pessoa terá que cumprir alguma medida alternativa”
A lei prevê advertência, prestação de serviços à comunidade ou comparecimento a programa ou curso educativo.
Abdouni explica que, por mais que a pessoa não cumpra pena de prisão, pode ser detida e levada para a delegacia para prestar esclarecimentos.
No mínimo, terá complicações burocráticas a resolver.
Além disso, um dos problemas da legislação brasileira é que não há especificação de quantidade para distinguir o usuário do traficante.
Por isso, uma pessoa que porte drogas só para consumo pode ser investigada por tráfico.
“O usuário fica suscetível e podem até lhe imputar responsabilidade por tráfico dependendo da quantidade da droga e das circunstâncias”
Explica Portella Junior.
Mas o vice-presidente da Comissão de Direito Condominial da OAB de São Paulo alerta que, pela inviolabilidade da residência, a polícia não pode entrar sem mandado.
“A polícia não vai entrar no apartamento para dar flagrante do uso de maconha. Poderia acionar em caso de suspeita de tráfico de droga.”
E se for na rua?
Na rua, é mais difícil aplicar medidas na esfera cível.
A alternativa seria recorrer à legislação penal e chamar a polícia.
Se o fumante estiver se deslocando, a dificuldade para fazer a denúncia aumenta, e aí a opção mais eficaz é tentar desviar da fumaça mesmo.
Fonte: Gazeta do Povo Daniel Castellano/Gazeta do Povo