6/22/2022

OS LIMITES E AS POSSIBILIDADES DA INVESTIGAÇÃO PARTICULAR:

 


As relevantes repercussões da Lei nº 13.432/17 na investigação criminal:

Por Bruno Taufner Zanotti e Cleopas Isaías Santos – 06/05/2017.

O presente texto é parte integrante da nova edição do nosso livro Delegado de Polícia em Ação, a ser publicado em breve, e decidimos trazer o tema para a coluna não só em razão da considerável repercussão que a nova lei deu à investigação criminal, mas, também, por causa das equivocadas premissas utilizadas por alguns intérpretes, os quais não compreenderam os limites e as possibilidades da Lei n° 13.437/17.

Esperamos que o presente texto contribua com o debate acadêmico e científico.

Em muitos ordenamentos jurídicos, ao lado da investigação estatal, é reconhecida a possibilidade de o particular promover a sua própria investigação.

Na Itália, o Código de Processo Penal prevê a faculdade de a defesa ouvir testemunhas e desenvolver a investigação que entender necessária.

A jurisprudência, contudo, restringiu o dispositivo legal ao aplicar a “teoria da canalização”, no sentido de que toda a investigação particular deveria ser apresentada ao órgão acusador.

Em 1995, numa primeira tentativa de superar essa restrição jurisprudencial, o legislador possibilitou a apresentação dos elementos de prova diretamente ao juiz.

No entanto, foi somente em 2000 que a Itália possibilitou expressamente a contratação de investigadores particulares pela defesa, inclusive com a previsão dos depoimentos serem reduzidos a termo e apresentados ao juiz.

No Brasil, a legislação era omissa em relação à possibilidade de a defesa promover a sua própria investigação.
Existiam somente duas disposições legais no CPP sobre o tema:

Art. 14.

O ofendido, ou seu representante legal, e o indiciado poderão requerer qualquer diligência, que será realizada, ou não, a juízo da autoridade.

Art. 242.

A busca poderá ser determinada de ofício ou a requerimento de qualquer das partes.

As previsões legais, portanto, faziam referências somente ao requerimento das diligências e requerimento de mandado de busca e apreensão pelo advogado, não mencionando a possibilidade (ou impossibilidade) de o envolvido ou alguém por ele contratado efetuar diretamente a investigação particular.

Sobre o tema, o STJ, no HC 69405, reconheceu a possibilidade de o ofendido requerer diligências ao Delegado de Polícia;

No entanto, entendeu que as diligências solicitadas pelas partes não podem ser negadas pela Autoridade Policial se ficar comprovada a inexistência de prejuízo ao procedimento investigatório e se forem necessárias para o deslinde da causa.

O posicionamento do Tribunal está em consonância com a base teórica defendida neste livro, uma vez que o Delegado de Polícia tem o dever de verificar a adequação das diligências solicitadas ao caso concreto, não podendo, com base numa suposta discricionariedade, indeferir a produção de tais elementos de informação, quando forem necessários para o caso concreto.

Por um lado, cabe ao ofendido a necessidade de demonstrar a relevância de produção das diligências que solicita.
Por outro lado, cabe à Autoridade Policial o dever de avaliar e, fundamentadamen
te, deferir ou indeferir o pedido a partir da análise do caso concreto.

No entanto, a investigação promovida pelo particular teve importante avanço em Abril de 2017 com a publicação da Lei nº 13.432, que regulou a profissão de detetive particular.

A inovação legislativa regula o tema ao lado de outros dois instrumentos normativos: 

 Lei n° 3.099/57 e Decreto nº 50.532/61.

A investigação particular não se limita a uma atuação do advogado, mas abrange também a figura do detetive particular, agora mais bem regulado pela Lei nº 13.432/17.

De acordo com o art. 2° da Lei nº 13.432/17, considera-se detetive particular o profissional que, habitualmente, por conta própria ou na forma de sociedade civil ou empresarial;

1) Planeje
2) Execute coleta de dados e informações de natureza não criminal,
3) Com conhecimento técnico
4) Utilizando recursos e meios tecnológicos permitidos,
5) Visando ao esclarecimento de assuntos de interesse privado do contratante.

A regra geral, portanto, é a sua atuação não criminal.

Contudo, de acordo com o art. 5º da mencionada lei, o detetive particular pode colaborar com a investigação policial em curso, desde que expressamente autorizado pelo contratante.

Tal como consta do parágrafo único do art. 5º, a efetiva colaboração ficará a critério do delegado de polícia, que poderá admiti-la ou rejeitá-la a qualquer tempo.

Em outras palavras, antes de se contratar o detetive particular, o Delegado de Polícia deverá se posicionar expressamente sobre a possibilidade da sua participação na investigação criminal.

Ademais, o Delegado de Polícia pode, a qualquer momento, revogar a autorização previamente dada, devendo fundamentar a sua decisão.

É importante ressaltar que, apesar de não existir previsão legal, o entendimento exarado no parágrafo anterior e a lei como um todo aplicam-se em relação às investigações presididas pelo Ministério Público (PIC)ou em qualquer outro órgão estatal (como a CPI), de modo que a efetiva colaboração do detetive particular ficará a critério do membro do Ministério Público ou de quem tenha o poder para tal autorização, que poderá admiti-la ou rejeitá-la a qualquer tempo.

Ainda sobre a Lei nº 13.432/17, o art. 10, inciso IV, veda ao detetive particular participar diretamente de investigações policiais, de modo que não poderá colaborar, por exemplo:

1) Com uma interceptação telefônica,
2) Com o cumprimento de uma busca e apreensão
3) Mesmo com a reconstituição de um crime
4) Reprodução simulada dos fatos. Sobre o tema dos limites da atuação do detetive particular, Eduardo Cabette[5] faz importantes considerações:

Poderá atuar de forma colaborativa e suplementar, bem como externamente, jamais praticando atos instrutórios diretos ou participando e muito menos realizando diligências policiais. 

Poderá, por exemplo:

1) Arrolar testemunhas,
2) Apresentar documentos,
3) Apresentar relatórios de investigação ou observações etc. 

Mas, está expressamente proibido pela Lei 13.432/17 de;

“participar diretamente de diligências policiais” 

Vide artigo 10, inciso IV, da Lei 13.432/17.

Note-se que nem mesmo com a anuência do Delegado de Polícia o Detetive Particular poderá atuar diretamente na investigação, participar de:

1) Buscas,
2) Prisões,
3) Interceptações telefônicas,
4) Ter acesso a dados cobertos por sigilo de justiça etc.

A eventual autorização do Delegado de Polícia ou do Ministério Público, conforme o caso, constituirá falta funcional por descumprimento das normas legais e regulamentares, no caso, o artigo 10, IV, da Lei 13.432/17.

Além disso, poderá configurar infração penal de prevaricação nos termos do artigo 319, CP em sua modalidade comissiva de praticar ato;

“contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”.

Nessa linha de pensamento, até com fundamento na limitação legal acima mencionada, a investigação particular é desprovida de poderes de polícia típicos dos Delegados de Polícia, como:

1) A requisição de documentos de entidades públicas
2) A condução coercitiva de testemunhas,
3) Além da impossibilidade de postulação direta de medidas cautelares,
4) Como a prisão temporária (registra-se que o advogado possui, tal como exposto acima, iniciativa de algumas medidas cautelares, como a busca e apreensão).

Não obstante, existem diversos mecanismos que podem ser utilizados pela defesa com a finalidade de enriquecer a investigação particular:

Utilizam-se:

1) Detetives particulares,
2) Peritos,
3) Assistente técnicos,
4) Pareceres,
5) Declarações,
6) Aplicações mais atuais de
Profiling Criminal e também de Criminologia Forense.


Não é uma tática defensiva ainda muito manejada, dada a ausência de cultura.

Entretanto, é um novo campo a ser desbravado, especialmente pelo manejo tático da Lei de Acesso à Informação.

Outro recurso que pode ser utilizado pela investigação particular consiste no uso da escuta (telefônica ou ambiental) pelo detetive particular, na qual a gravação da conversa dos interlocutores é feita pelo detetive em razão de autorização do seu cliente em conversas perpetradas pelo próprio cliente.

Registra-se que o STF possui jurisprudência no sentido de admitir uma prova supostamente ilícita colhida ou produzida pelo particular, ao fundamento de incidir uma legítima defesa ou outra excludente de ilicitude, quando o fim for provar a inocência de um cidadão.

Sobre o tema da investigação particular, dois pontos ainda merecem melhor análise:

1) O limite territorial para a atuação do detetive particular
2) A efetiva atuação do detetive particular no curso do inquérito policial.

No que diz respeito ao limite territorial para a atuação do detetive particular, Eduardo Cabette defende a sua atuação em todo o território nacional com fundamento no art. 12 da Lei nº 13.432/17, que estabelece como direito do advogado particular o exercício da profissão em todo o território nacional na defesa dos direitos ou interesses que lhe forem confiados.

Por outro lado, Henrique Hoffmann Castro e Adriano Costa entendem que a limitação territorial é uma realidade e constará do contrato, tal como determinado pelo art. 8º, inciso V, da Lei nº 13.432/17.

Aparentemente, existem duas previsões legais – previstas, inclusive, na mesma lei – conflitantes sobre o tema.

No entanto, o posicionamento de Eduardo Cabette mostra-se mais adequado à atuação criminal do detetive particular, uma vez que a previsão do art. 8º, inciso V, da Lei nº 13.432/17 tem como finalidade o controle de custos inerentes ao contrato, mas incompatível com a própria natureza criminal da colaboração do detetive particular. 

Em outras palavras, não se mostraria razoável defender a ilegalidade de uma diligência feita pelo detetive particular, com levantamento de informações relevantes, ao simples argumento de que o mesmo extrapolou o limite previsto no contrato na busca de determinada informação, em especial quando a não continuidade da sua investigação puder ocasionar perda irreparável para o cliente, contrariando, inclusive, o seu dever de zelo e probidade, instituídos no art. 11 da Lei nº 13.432/17, incisos III, IV e V.

Sobre a efetiva atuação do detetive particular no curso do inquérito policial, Henrique Hoffmann Castro e Adriano Costa pontuam que a atuação mais adequada do detetive particular ocorrerá principalmente em sede de verificação preliminar de inquérito (VPI), de modo que;

“se o inquérito policial está em curso, é sinal de que o delegado já obteve os mínimos dados necessários e a polícia judiciária já definiu caminho investigativo para extrair os meios de prova, sendo o aprofundamento da investigação incompatível com a possibilidade limitada de atuação do detetive”. 

Concluem os autores que a atuação do detetive particular no inquérito ocorrerá de forma excepcional a fim de indicar fontes de prova ainda não conhecidas pelo Estado.

A limitação dos autores não encontra embasamento legal e vai de encontro à natureza da atividade do detetive particular delimitada pela própria legislação. 

A afirmação em caráter geral e abstrato de que a participação do detetive deve ser excepcional porque;

“o inquérito policial já está em curso”

 Desnatura a relevância de sua atividade e a possibilidade de sua colaboração com a investigação policial (art. 5º da Lei nº 13.432/17). 

Nada obsta que, diante de uma investigação praticamente já concluída, o Delegado de Polícia entenda por desnecessária a participação do detetive particular; 

Contudo, o que não pode ocorrer é partir de uma premissa sem embasamento legal para que isso se transforme em regra que impeça a incidência do dispositivo legal nos inquéritos policias em andamento. 

Portanto, a participação não só é possível, como pode se mostrar relevante para o deslinde do caso do seu cliente, com a apresentação ao Delegado de Polícia de memoriais ou mesmo relatório do que foi levantando por sua atividade privada de interesse público.

Como se observou por tudo o que foi exposto, a investigação promovida diretamente pelo particular não está proibida. 

Apesar do regramento geral do art. 5° da lei (o qual institui que o detetive particular pode colaborar “com a investigação policial em curso”), a repercussão desse dispositivo varia de acordo com a natureza da ação penal:

Ação penal privada:

Como regra geral, a investigação particular pode servir de base para a queixa, sem qualquer participação direta ou indireta da investigação estatal e do Ministério Público.

Por isso, por não haver investigação policial em curso, não há necessidade de autorização prévia do Delegado de Polícia e tal prova poderá ser amplamente utilizada no curso da ação penal.

Em outras palavras, não será necessária a prévia autorização do Delegado de Polícia quando o procedimento policial se mostrar dispensável.

Por exemplo, se todo o acervo probatório levantado pelo particular em um crime de ação penal privada for de natureza documental, o próprio cidadão poderá propor a queixa-crime sem que o procedimento passe pelo:

1) Ministério Público
2) Pela Polícia Civil, 

Sendo, portanto, desnecessária a prévia autorização do Delegado de Polícia ou do membro do Ministério Público.  

Por outro lado, se for essencial:

1) A oitiva de pessoas,
2) A requisição de determinados dados,
3) A condução coercitiva
4) Qualquer elemento próprio da atividade investigativa.

Ocorrerá a incidência do art. 5° da lei em razão da necessidade de instauração de procedimento próprio. 

Assim, em razão da necessidade de passar por órgãos oficiais, incide a “teoria da canalização” do Direito italiano.

Ação penal pública: 

Incide a “teoria da canalização” do Direito italiano, uma vez que toda a investigação particular deve ser apresentada ao Delegado de Polícia ou ao Ministério Público para que verifiquem a necessidade de produção de outros elementos de informação, caso não haja base suficiente para a propositura da denúncia. 

Portanto, incide a necessidade de prévia autorização do Delegado de Polícia ou do membro do Ministério Público.

Em sede jurisprudencial, sobre os limites da investigação particular, o STF, na AP 912, não recebeu uma denúncia que tivesse por fundamento supostas declarações colhidas em âmbito estritamente privado, sem acompanhamento de qualquer autoridade pública (Delegado de Polícia ou membro do Ministério Público) habilitada a conferir-lhes fé pública e mínima confiabilidade.

Trata-se, exatamente, da “teoria da canalização”.

Registra-se que o mesmo entendimento se aplica quando forem necessários os depoimentos para subsidiar eventual queixa, os quais deverão passar por autoridade pública.

Diante de todo o exposto, a Lei nº 13.432/17 avançou no tema da investigação criminal pelo particular, de modo a dar um primeiro e relevante passo na abertura do procedimento criminal para uma crescente influência dos envolvidos na decisão final do Delegado de Polícia. 

O caráter inquisitivo perde cada vez mais espaço para os influxos democráticos naturalmente presentes na Constituição Federal, que deve servir de base para o modo como a investigação penal é conduzida.

No conto Ideias de Canário, Machado de Assis mostra que evoluir é preciso.

Paradigmas inadequados levam a respostas inadequadas. 

Ao final do conto, o antigo proprietário deseja que o Canário retornasse à gaiola, apesar de já estar em liberdade. 

E isso condicionava o modo de o antigo proprietário conversar com o Canário, tornando o diálogo difícil e com respostas contraditórias.

Tal como o antigo proprietário, nem todos são capazes de entender essa evolução.

É necessário caminhar da gaiola para a liberdade e um céu azul de possibilidades.

É por isso que, tal como coloca Dworkin, interpretação requer responsabilidade para não ser subjetiva e casuística. 

A Lei nº 13.432/17, como demonstrado, consiste num importante passo rumo a um novo paradigma investigativo, mitigando a já cambaleante característica da inquisitoriedade do inquérito policial.

Fonte: emporiododireito

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